domingo, 27 de maio de 2012

Dia


dia
(latim dies, -ei)   s.m.

1. Período de tempo que vai desde a meia-noite até à meia-noite seguinte (dia civil)
2. Período de 24 horas compreendido do meio-dia até ao meio-dia seguinte (dia astronómico.astronômico), ou do pôr do sol ao pôr do sol seguinte (dia israelita).
3. Unidade de tempo com a duração de 24 horas.
4. Período de tempo entre o levantar de uma pessoa e a entrada da noite.
5. Período de tempo em que o Sol está no horizonte.
6. Claridade do dia.
7. Circunstância ou momento oportuno. = OCASIÃO, VEZ
8. Tempo atual. ATUALIDADE = , MOMENTO, PRESENTE


Há um dia em que a quantidade se transforma em qualidade, isto é, a mudança dá-se, um salto qualitativo de estado para outro e , finalmente, tudo muda. Após várias ameaças, sintomas ligeiros, modificações imperceptíveis, embora sempre controladas, um dia as coisas modificam-se e somos alinhados para uma nova realidade, e para uma nova solução. Nada fazia prever mas esse dia chegou nos finais de Junho de 2010. Já há alguns dias se notava alguma actividade arritmica, embora sem um impacto significativo. Nesse dia acordei de manhã e ao levantar-me da cama uma forte tontura quase me projectou de novo para a cama. Foi no entanto ultrapassada sem consequências de maior, e seria apenas mais uma situação. Feitas as actividades que habitualmente se fazem de manhã, higiene pessoal, vestir, etc, saimos para um pequeno almoço fora, neste caso em Lagoa, num café aonde íamos com muita frequência, o Helydoce, e onde nos propunhamos tomar o pequeno almoço.

Sentámo-nos e pedimos o habitual. Fomos servidos e comecei a comer o pão com manteiga e a "meia de  leite". A mesma tontura, agora bem mais forte, mais rápida, e a imediata perda de consciência. Caí no chão, embora sem ter a noção disso. Acordei alguns minutos mais tarde, toda a gente de volta de mim, muita aflição, e muito chamamento, como era habitual nas situações passadas dois anos antes.
Saí para o exterior, muito débil, enquano a MA fazia os telefonemas da praxe.  O 118, a Drº MJ, a Drª AM, sendo que o INEM demorou algum tempo a chegar. Entretanto o CDI tinha cumprido o seu papel, e eu já tinha sido reanimado por ele e estava acordado embora combalido. As pessoas não entendiam nada do que se tinha passado, mas comigo as coisas já estavam bem, embora a sensação geral fosse de grande indisposição. Dizem que estas situações têm réplicas, mas no caso não as houve.

Entretanto chega a ambulância do INEM, com dois bombeiros, algo inexperientes. Não havia reanimação a fazer, aapenas por precaução me deveriam tansportar a alguma unidade hospitalar. Após fazerem as mais variadas perguntas, quase todas disparatadas, pois havia um questionário a preencher, acabaram por receber ordens para me transportar para o Centro de Saúde de Albufeira. Ainda quis resistir, uma vez que não ía para o Hospital de Portimão, melhor seria ir para casa, mas não, ordens são ordens, e lá fui a toda a velocidade para esse local. Mais uma vez de carro, a MA seguiu-nos para ver onde me iam deixar.

Quando cheguei ao Centr de Saúde de Albufeira, já a DrªMJ tnha telefonado para lá e tinha dado todas as indicações relativas ao "meu caso", apresentando o doente e a sua patologia. Aí já não houve dúvidas quanto ao que havia a fazer. O Centro era novo e muito bem equioado, com internamento, caso necessário. Atendido por uma médica, monitorizou o meu estado clínico, colocou-me a soro, e mandou-me para uma cama descansar. Seriam 10 horas e lá me mantive até cerca das 14 horas, quando me deram alta. Voltei para casa com a MA e tudo parecia agora já estar bem. Já estava um pouco esquecido destes episódios, pois há mais de dois anos que nada de relevante acontecia.

Pensei que seria mais um episódio e que mais dois anos se passariam em branco. Estava enganado, desta vez já não seria assim. Sem o saber ainda, estávamos no princípio do fim, e só mesmo o transplante, que seria feito seis meses mais tarde me poderia salver de uma morte certa. A cardiomiopatia ventricular dilatada, ía degradar-se, a insuficiência cardíaca aumentava. As paredes tinham começado a desabar e eu ainda não sabia.

domingo, 20 de maio de 2012

Primórdios


primórdio
s. m.
1. Princípio.
2. Origem.
3. Começo.
4. Exórdio. (Mais usado no plural.)
 
Apenas se tinha colocado como vaga hipótese, ou uma possibilidade a considerar no meio de muitas outras. O transplante cardiaco. Agora, que parecia que o ajuste da medicação tinha resultado, tal hipótese ficou adormecida. Mas não caiu no esquecimento. Algumas indisposições, ligeiras variações de ritmo cardíaco, levaram a Drª MJ a colocar tal hipótese em Setembro de 2008, talvez por termos chegado ao fim da linha em termos de margem de manobra na medicação. Havia de pôr o problema ao Dr RS, de S. Marta, que ainda não conhecera, pois só ele poderia avaliar a situação, e qualquer decisão de transplante em S. Marta, passaria sempre por ele. Portanto haveria de ir a um exame com ele,como aliás já referi.

Esse exame ficou marcado para 6 de Outubro de 2008, exactamente o meu dia de aniversário, 56 anos. No dia aprazado, fiz o exame, não sem antes fazer um ecocardiograma para avaliar o nível de insuficiência cardíaca, entre outros parâmetros, que confirmou um ligeiro agravamento. O exame, uma prova de esforço com controlo respiratório, foi feito em S. Marta, e afinal até já conhecia o Dr RS, tinha sido um médico que me tinha feito uma eco, durante o internamento pós operatório da operação de triplo by pass.

Nem sequer sabia que ele era médico, pois a sua postura simples e cativante fazia dele uma pessoa fora do normal, quando comparado com a vaidade ambulante de certos especialistas.

O exame consistia, após ser ligado ás máquinas, tapado o nariz com uma mola para que a respiração se procedesse exclusivamente pela boca, percorrer com o meu passo, uma passadeira rolante, que pouco a pouco aumentava a velocidade e a inclinação, para ir tornando o exame mais dificil. Terminava quando o meu cansaço não permitisse continuar após o que seria feito o relatório, que me era entregue. No primeiro exame feito o Dr RS escreveu no relatório dos resultados, traduzidos em vários parâmetos comparados com os valores de referência. Os resultados ficaram aquém dos valores de referência, o que seria normal para um coração doente, mas não tão maus que justificassem no imediato o inicio do processo de transplante. Assim as notícias eram boas, "bela prenda de aniversário" segundo o Dr RS, embora este notasse em mim um certo desapomtamento, pois, acabaria por sair como entrei, sem nenhuma evolução na terapia, que aliás não se justificava; assim dificil de classificar as notícias.

Haveria de repetir este exame mais três vezes, sempre sem haver alguma evolução clara da degradação do desempenho cardíaco. Quando a situação verdadeiramente se degrada, e o transplante se tornou inevitável, foi no intervalo entre estes exames que fazia de seis em seis meses.

Entretanto até lá as coisas corriam bem, para lá das limitações naturais de uma pessoa com insuficiência cardíaca. Não mais taquicardia, não mais arritmias violentas, e não mais paragens cardíacas. Até um dia.

sábado, 19 de maio de 2012

Mínimo




mínimo
(latim minimus, -a, -um)
adj.
1. Muito pequeno. = DIMINUTO, ÍNFIMO
2. Que é o mais pequeno.menor. = MENOR
s. m.
3. A menor quantidade.
4. O mais baixo preço.
5. [Automobilismo]  Cada um dos faróis, à frente e atrás, destinados a assinalar a presença e a largura do veículo automóvel.
adj. m. s. m.
6. Diz-se de ou o dedo mínimo.= AURICULAR, MINDINHO
adj. s. m.
7. Frade da Ordem de S. Francisco de Paula.
 

Entre finais de Março de 2008 e Junho 2010, decorreram dois anos de relativa acalmia. Por vezes o coração acelerava mas tinha-me habituado a viver com a situação; alguns momentos, sobretudo no verão com o calor, havia lugar ao cansaço, e as dificuldades acresciam, mas nada como naquela noite de Janeiro.

Tudo razoavlmente bem e  nada antevia degradação da situação. Entretanto era seguido por S. Marta, na consulta de arritmologia, duas vezes por ano, pela Drª MJ, que em função de alguns sintomas, que não agravamentoda insuficiência, que por agora estava estável, me enviou a uma consulta do Dr RS, especialista em S. Marta pela insuficiência cardíaca, e médico que acompanha os casos passáveis de no futuro virem a ser transplantados cardíacos. Em Outubro de 2008 fiz o primeiro exame com ele, e que consistia numa prova de esforço com controlo respiratório, o que permitia conhecer com rigor o desempenho funcional do orgão cardiaco, podendo assim ser previsto qual a tendência desse desempenho, no tempo, sendo que detectada uma degradação rápida, se poderia encaminhar o paciente para o transplante. No meu caso tal situação não se justificava em Outubro de 2008, e a partir daí passei a realizar esse exame também, de seis em seis meses. Para além disso ainda era acompanhado pela médica de família, Drª AM. Assim falta de apoio não era algo de que me pudesse queixar...

A acalmia permitia uma vida muito próxima da normaliddae, apenas tendo cuidado com alguns "excessos" de calor, de carga, evitando cansaços inúteis e desgaste de energia que me podia fazer falta no futuro. Claro que em muitos aspectos a vida ía-se fragilizando. Passei a dormir sesta, pelo menos no verão, a deitar-me cedo, máximo 21h30, 22h, e a procurar descamsar após qualquer actividade mais puxada. Levar uma vida regrada, evitando excessoss, os quais eu também não praticava anteriormente. Durante estes dois anos houve dias em que me esqueci da doença, muitos dias, a vida parecia na total normalidade e nada fazia crer que as coisas se poderiam vir  a alterar, como de facto veio a acontecer.

Tudo parecia correr bem. Era no entanto ilusão. Na realidade a debilidade mantinha-se, apenas eu não tinha sintomas da situação, aceitava os limites, aceitava as fronteiras que me eram impostas, reduzindo a vida assim a uma espécie de "serviços mínimos", nos quais me fui apagando e afundando sem me aperceber. Para mim já era normal.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Atividade



atividade
(latim activitas, -atis, significação .ativa [do verbo])

1. Qualidade do que é ativo..INATIVIDADE
2. Faculdade de exercer a ação.
3. Exercício ou aplicação dessa capacidade (ex.: .atividade física).
4. [Figurado]   Prontidão, rapidez.
5. [Figurado]   Vigor, energia..INATIVIDADE, INÉRCIA
6. Ocupação profissional. = PROFISSÃO
7. Realização de uma função ou operação específica (ex.: atividade industrial).
8. Funcionamento, laboração (ex.: a fábrica já não está em atividade).
9. Fenómeno. ou processo natural (ex.: atividade sísmica).

s. f
Muita coisa tinha mudado na vida, na sequência deste processo. O impacto tinha sido o de uma bomba, que tivesse sido lançada para o meio de um armazém de loiça, transformando tudo em cacos. Desde logo a actividade profissional. Passei, na sequência da insuficiência cardíaca grave, a ter condições para uma aposentação por incapacidade. Na realidade, os limites que o coração agora impunha eram incompatíveis com uma atividade dita "normal", pelo que a passagem à reforma acabou mesmo por se concretizar. Passei a fazer parte dos reformados, o que, reconheço, talvez tenha sido o menos mau. Mantinha alguma atividade não remunerada, para me manter ativo.
Retomei um sonho antigo, a pintura. A partir de Setembro de 2008 comecei a frequentar as aulas de pintura., e a pintar e desenhar, o que naturalmente me dava prazer, pois era algo que gostava de fazer. Um ano depois, em Setembro de 2009, vinha mesmo a ter a ousadia de fazer uma exposição pública dos quadros entretanto feitos, o que para mim foi um enorme feito. A vida ía tomando assim outros rumos enquanto o coração o permitisse. Na realidade muita coisa havia mudado, inclundo na relação pessoal ou até familiar. Tudo agora girava à volta daquilo que o meu coração permitia, e o ritmo não podia ser mais intenso do que aquilo que me era possível. Em Novembro de 2007, ainda fomos duas vezes ao estrangeiro, a Londres, onde assisti a um espectáculo no Royal Albert Hall, pela primeira vez, e a Madrid, onde vimos a exposição de Paula Rego, no Museu Rainha Sofia. A partir daí não voltámos a sair do país, e aquela ida lá fora, que fazíamos todos os anos foi sendo sucessivamente adiada. A atividade ia-se reduzindo a tarefas mais ou menos rotineiras, e o lugar para o fora de hábito ía-se reduzindo sistemtaticamente.
 

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Dúvida



dúvida
(derivação regressiva de duvidar)
 s. f.


1. Falta de convencimento.
2. Dificuldade em acreditar.
3. Suspeita.
4. Receio.
5. Objeção.
6. Ponto não decidido ou que se trata de resolver.
7. Crença vacilante.
8. .Ceticismo.
9. [Brasil]   Questão, disputa.

 
Novo regresso a casa, alguns "retoques" na medicação, e a esperança de que aquela noite não se voltaria a repetir. Tinha sido muito traumatizante para mim e sobretudo para a MA, para quem tudo o que se passou jamais saiu da memória. Para mim, que não "assisti" a nada, tinha ficado o  ruído do medidor de tensão, e cada vez que o utilizaei nos meses seguintes, e ainda hoje, me recordo daquela noite, das inúmreras vezes em que o utilizei, e da expectativa de ver o valor das pulsações a baixar. Foi um grande susto, o pânico que se instalou, e a dúvida acerca da real possibilidade de melhoria, ou da sustentabilidade dessa melhoria no tempo. Talvez algo devesse ser feito, que ainda não tinha sido até àquele momento.

A sensação de estar em suspenso, de algo acontecer, e desse algo ser grave, até fatal, era permanente. Não sabia, e pelos vistos os médicos também não, qual a margem de manobra que existia para, "mexendo" nos medicamentos apenas, provocar melhorias efectivas. Para já, e em concreto, nada mais se equacionava. Havia que esperar, aguardar decisões, cerrar os dentes contra o "medo".

Entretanto continuava a ser seguido em consulta privada pela Drº MJ. Via-se que  também a minha evolução a preocupava e que, procurava ser capaz de me fazer propostas de terapias que pudessem minorar os riscos. De momento essas propostas só poderiam passar pela adaptação da medicação da medicação. daí, e dado que após a mais recente alta, os sintomas de arritmia permaneciam, ter aconselhado novo internamento, agora no Hospital de Beja, onde voltei na segunda quinzena de Março de 2008, um ano após o meu primeiro internamento em Beja. O objectivo era submeter-me a novos exames, testar várias dosagens de medicamentos afim de constatar qual seria a melhor terapia, dado que os medicamentos tinham impacto contraditório nos diversos parâmetros , pelo que a gestão dos equilibrios era fundamental.
Assim se fez.

Mais uma semana e tal, novos exames, e uma proposta de terapia que, finalmente, se manteve inalterada durante bastante tempo, cerca de dois anos. Após este internamento, abrandaram os sintomas de arritmia, deixaram de me preocupar as palpitações, e as coisas começaram-se a compôr. Talvez as dúvidas se começassem a clarificar, a tranquilidade regressassse, e o medo se atenuasse.

Continuava a ser seguido pela Drª MJ, pela consulta de arritmologia e pela médica de familia, para além daquilo a que eu chamava o "cusco", isto é, o aparelho de telemetria que na minha mesa de cabeceira me "seguia os passos", mantendo o meu CDI sob controlo, e transmitindo a S. Marta toda a informação do meu desempenho cardíaco. Durante cerca de dois anos este acompanhamento que me deu finalmente alguma tranquilidade e , excepto em situações muito pontuais, me deixou livre, e com alguma qualidade de vida. Entretanto a vida continuava !

terça-feira, 8 de maio de 2012

Choque



choque
s. m.
1. Encontro violento entre forças militares.
2. Embate.
3. Abalo.
4. Comoção.
5. Conflito; luta.


Pensei que a situação passada a 5 de Julho fosse excepcional e irrepetível... De facto nem uma coisa nem outra.

Até final de 2007, tudo parecia correr de feição. A recuperação fazia-se à medida que íam caindo no esquecimento os dias de Março e Abril, em que parecia que o céu me desabava na cabeça, no entanto, pequenas arritmias eram sentidas, que de imediato controlava com o meu medidor de tensão, apesar disso, assustavam-me. Sentia o aumento do ritmo cardíaco e  isso punha-me de sobreaviso, pois nada me dizia qual iria ser a evolução. Preparava-me para o pior, mas aguardava o melhor. E era o que sucedia. Acalmava. A "tempestade arritmica", como lhe chamavam, acabava abrandando até desaparecer.

Entretanto tinha ganho um novo aparelho de telemetria. Uma espécie de telemóvel grande, que estava em cima da minha mesa de cabeceira, ligado a um carregador em permanência que uma vez por dia lia os valores constantes e registados no meu CDI, e os transmitia para posterior avaliação a um site em S. Marta. Aquando das situações críticas, sempre no dia seguinte, a técnica SS telefonava-me, talvez para se certificar de que continuava vivo, e o que entretanto se tinha passado de concreto. Era o complemento adequado, que justificava o alargamento do prazo das consultas de acompanhamento em "arritmologia".

Até final de 2007 nada mais se passou, e parecia que tudo estava a cair na normalidade. No entanto, já em Janeiro de 2008, quando estava a atender um telefonema da minha filha Joana, caí no chão, desmaiado. Recuperei após a intervenção oportuna do CDI. Passados 15 dias, novo episódio, estando à espera do autocarro para Lisboa, onde ía a uma das consultas de rotina, sentado no Terminal Rodoviário de Lagoa, a minha cabeça tombou e fiquei "morto". Neste caso, como o autocarro vinha a chegar, acabei por ir mesmo para Lisboa, após reanimação, tendo toda a viagem estado meio "azamboado", meio acordado meio a dormir.

Em qualquer dos dois episódios o choque miraculoso, salvou-me de um mal maior. No dia seguinte lá estava o telefonema da SS, a interessar-se pela situação. Nestes dois  casos tudo acbou bem e sem qualquer ocorrência.

Mais complicado, por mais demorado e com outros contornos e consequências foi a situação que ocorreu 15 dias mais tarde, já no final de Janeiro.

No inicio da noite, a má disposição, o susto e a arritmia ligeira. Até aos 90 batimentos. Coisa pouca, mas para mim, o dobro do que deveria ter. Deitei-me mas não era capaz de descansar. Ía medidndo com o meu aparelho  de tensão, e por vezes subia até aos 110 ou 120 batimentos, o que para mim me deixava em pânico. A MA também começou a não saber o que fazer. Seguiam-se telefonemas para a DrªAM e DrªMJ, que naturalmente aconselhavam a chamar o INEM. Eu, tomando as anteriores situações como exemplo, não queria, mas as horas passavam e a indisposição mantinha-se. As pulsações subiam e por vezes atingiam os 160 batimentos, abaixo do valor de disparo do CDI, mas eu estava em pânico pois sentia bem no meu peito o ritmo cardíaco acelerar, e nada acontecer. Tudo me dizia que algo aconteceria mas não sabia o quê, quando e como. Entretanto a aflição continuava.

Passava da meia noite quando a MA decidiu não esperar mais e chamar o INEM que pelo telefone deu as primeira indicações. Afastar os objectos que me pudessem ferir, manter a língua foa da boca e sob controlo caso desmaiasse, para evitar sufoco, entretanto o desmaio deu-se, o CDI disparou várias vezezs ( disse-me a MA pois eu já me encontrava sem sentidos). Segundo a MA tive diversas convulsões, chamou um vizinho, amigo, para a apoiar e este acabou por me segurar. Finalmente após vários disparos a reanimação deu-se, mas a situação de pânico mantinha-se. Desta vez era forte e resistente.
Entretanto chega o INEM que procura estabilizar-me e leva-me para a ambulância, não sem antes, vários vómitos terem deixada a casa no Algarve num estado lastimoso. Alguns minutos de espera na ambulância, até estar capaz da viagem, e lá vamos, eu, a MA no carro, para o Hospital de Portimão, para as urgências, onde entrei pelas duas da manhã. O meu estado geral era de grande desorientação. Fiquei lá uma noite, durante a qual a DrªMJ convenceu o médico de serviço, que não era cardiologista, a transferir-me para o Hospital de S. Marta, na manhã seguinte, pois era por lá acompanhado.É lá vou, pelas oito da manhã para Lisboa, acompanhado de um enfermeiro brasileiro, que tinha feito a noite, e à saída, apanhou mais esta "incumbência".

Entrei de novo nos intensivos, a mesma cama do costume, junta da janela, os mesmos alarmes, lá já era conhecido ! Era a minha terceira passagem em menos de um ano por aquele local. Desta vez quando a SS me telefoneou a saber o que acontecera, já estava em S. Marta mesmo ao lado dela.
Era preciso equilibrar a medicação, ensaiar várias hipóteses e ver os resultados. Cerca de quinze dias de internamento, entre os intensivos e a enfermaria, de novo o Dr NS a tomar conta de mim e novo regresso a casa nos finais de Fevereiro 2008, com novos medicamentos, novas doses, mas sempre o mesmo problema. Desta vez tinha batido bem forte, e o choque salvou, mas não podia resolver tudo.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Intervalo




intervalo s. m.

1. Distância que (no tempo ou no espaço) medeia entre duas coisas.
2. Intermitência.
3. .Entreato.

Estava de novo em casa. Inicio de Maio de 2007, agora, além dos problemas cardíacos conhecidos, era portador de um acessório que valia milhões, um autêntico seguro de vida para o futuro, e que me salvaria a vida em caso de arritmia grave e paragem cardíaca. Um CDI !!! 

Iriam agor decorrer três anos e meio até que a insuficiência cardíaca tomasse definitivamente conta e me conduzisse directamente ao transplante.
Entretanto muitas coisas se iriam passar. A recuperação iria ser entrecortada por alguns episódios, que sem o CDI me poderiam ter custado a vida, pois sempre me disseram que em 85% dos casos de paragem cardíaca, verificados na via pública, dá-se a morte do paciente, pois o tempo de intervenção do INEM, não é suficientemente rápido para o impedir, e em apenas 15% dos casos se verifica a reversão sem sequelas para o paciente. Isto permite concluir da sorte que tive no dia 14 de Abril. A partir de agora o risco seria menor. Mas o coração permanecia doente, e sem solução que o viabilizasse, pois consultada a internet ( que como se sabe não é fonte fidedigna), o tempo de sobrevida de uma pessoa com insuficiência é de 4 anos. E de facto, no meu caso, assim foi.

A primeira situação deu-se a 5 de Julho, isto é, cerca de dois meses após a alta. Em Ourique, ao entrar em casa a após abrir a porta à MA que tocava a campaínha, caí desmaiado, após a tontura do costume. Fui ao Centro de Saúde, após actuação do CDI, o que para mim foi absolutamente impercetível, mas para a MA, que me observou, e que viu o meu corpo inerte dar dois ou três saltos que derivaram dos choques eléctricos entretanto disparados pelo pequeno aparelho, instalado no meu peito. Mandaram-me de novo para o Hospital de Beja, onde permaneci uma noite nas urgências. No dia seguinte, e após a visita da Drª MJ, regressei a casa, agora com mais um medicamento, a amiodarona, a tal que em versão injectavel me destruía as veias, agora passava a versão comprimidos.

Este foi o primeiro de alguns sinais de que o coração não se resignava e mantinha a tendência para acelerar.
O aparelho mantinha também um ritmo cardíaco baixo, por volta de 40/43 batimentos, e jamais permitia batimentos abaixo dos 39. Funcionava assim também como "pacemacker". Com os batimentos acima dos 60 já estava aflito, e então se atingia 90 a 100 era o pânico. O valor máximo permitido pelo aparelho era de 170 batimentos, a partir dos quais se preparava para repor as pulsações no normal, ou caso não tivesse sido possível, passado um periodo programado de cerca de um minuto, executava disparos de muitos volts, de forma a provocar a reanimação, ou a colocar tudo nos eixos, fazendo assim uma espécie de "reset". Com uma máquina destas eu seria quase eterno... pelo menos de paragem cardíaca não morreria!


sexta-feira, 4 de maio de 2012

Acessório

acessório
(latim tardio *accessorius, -a, -um, do latim accedo, -ere, ir para, aproximar-se, colocar-se ao lado de, aderir)
Confrontar: assessório.
adj.
1. Que se junta ou incorpora por acessão.
2. Que se pode dispensar. = SECUNDÁRIOESSENCIAL, FUNDAMENTAL, INDISPENSÁVEL
3. Que não é muito importante.

4. O que está junto a coisa principal. = COMPLEMENTO
5. Circunstância acidental.
6. Peça que completa ou melhora o funcionamento de algo.
7. Peça ou adorno que se acrescenta ao vestuário.

s. m.




E cá estava de novo, oito dias depois de ter alta, regressava aos mesmos cuidados intensivos, na mesma cama, os mesmos fios, os mesmos alarmes, os mesmos enfermeiros, os mesmos cuidados, os mesmos sonhos, e a mesma música de fundo. Ainda sentia os restos da operação, os seus sintomas e os seus limites.
Agora conhecia novos médicos, os Dr NS e MO, os tais arritmologistas. Consultaram-me logo na segunda feira e colocaram a hipótese de, por razões de segurança de vida, me implantarem um acessório chamado CDI ( cardio disfibrilhador implantável) o qual seria assim um espécie de seguro de vida. Perante uma arritmia com determinadas características, o aparelho disparava um choque eléctrico em corrente contínua de entre 300 a 1000 volts, o que provoca a reanimação, não sem antes tentar reverter a arritmia. Um aparelho "inteligente".

Para fazer o implante seriam necessários mais exames, e entre eles estava o esclarecimento de uma dúvida, se teria acumulado liquido na pleura, coisa que vinha do pós operatório, mas que dividia a opinião de dois os três médicos. Assim fiz uma TAC para esclarecer de uma vez por todas o problema. Sem isso não haveria implante.

A TAC falou como um livro aberto; era mesmo líquido acumulado, e que teria de ser removido para que o implante do CDI se fizesse sem problemas. E asssim se fez. esperei mais alguns dias, até que finalmente se marcou um dia em a remoção seria feita por um cirurgião. No dia aprazado esperei o dia inteiro em jejum, esperando que a intervenção se fizesse. Era ali, nos cuidados intermédios onde agora já estava, que a "coisa" se faria. Simples, segundo o enfermeiro, mas obrigou a um dia inteiro de jejum e uma muito longa espera. A pequena intervenção seria feita pelo cirurgião (o Dr PC), apoiado por um enfermeiro, o M, . Quando lhe pareceu "pôs a mesa", numa das mesas de apoio, com toda a parafrenália necessária. Umas agulhas, tubos, sacos, bisturis, e outras coisas. Os meus nervos estavam em franja, por muito que o enfermeiro me dissesse que não iria doer, para me aclmar. E tantas vezes mo disse que comecei a desconfiar. As horas passavam e só lá pelas 8 da noite o cirurgião apareceu. A minha fome era de lobo, mas queria "despachar-me", ficar livre de mais este impedimento. E assim se fez aquilo que eu chamei " a mais dolorosa pequena intervenção que fiz".

Em palavras simples, primeiro mandou-me sentar numa cadeira "ao contrário" e agarrar-me bem às costas da cadeira. Tirar o casaco de pijama. Senti um frio nas costas, de um desinfectante a passar. "Uma picadela" de uma anestesia anunciada pelo Dr PC. A anestesia era local, muito localizada, para evitar a dor do corte a fazer. Corte feito, punção, e eis que um tubo de plástico começa a ser introduzido pela punção feita. Uma ação altamente invasiva... que percorre o interior do meu corpo, das costas até à zona abdominal. Até aqui tudo bem. Agora era fazer a sucção. Através do tubo ía sendo aspirado o líquido, e cada aspiradela a dor que se sentia era indiscritível. Várias sucções foram feitas, o enfermeiro agarrava-me as mãos com toda a força e dizia "força", "calma", e os meus olhos enchiam-se de lágrimas. No fundo era tudo a sangue frio, e a dor era intensa,  no limite do suportável. E nunca mais acabava, porque o médico aspirava o líquido com muita cautela e muito devagarinho, quanto mais rápido mais dor. Terminou tudo, e eu estava exausto de tanto sofrimento. Jamais tinha sentido algo tão intenso, assim sem anestesia. No final cerca de um litro e meio de líquido retirado. Olhei e não queria acreditar. Concluida esta operação estavam criadas as condições para me fazerem o implante do CDI.

O aparelho era pequeno, assim como uma caixa de comprimidos, redonda, metálica, com alguns fios a sair. Aprazou-se a operação para um final de tarde de uma sexta feira. Haveria que abrir um bolso no peito, e lá colocar o aparelho e ligá-lo a uma sonda no interior do coração que iria detectar a arritmia. A operação foi feita primeiro com anestesia local na região frontal do pescoço. Aberto o "bolso", era colocado o aparelho, e ligados os respectivos fios. Tudo ligado havia que testar o funcionamento do aparelho simulando uma arritmia. Foi-me dada então uma anestesia geral, embora ligeira, para a simulação e eu nem senti o tal "coice de cavalo", como me foi descrito, que corresponde ao choque eléctrico de alta intensidade no peito. Não o senti mas o choque deu-se mesmo, e ao acordar, o Dr MO disse que tudo estava bem e agora havia apenas que recuperar a zona que tinha sido fechada com vários pontos. Para já o braço esquerdo estava imobilizado, não o poderia mexer, e mais tarde levantar, durante uma ou duas semanas. Depois disso tudo bem, só teria de fazer nova intervenção para mudar a pilha do "acessório" que agora tinha. Mas isso poderia demorar seis ou sete anos.

Regressado aos cuidados intermédios no dia seguinte seguiria para a enfermaria de cardiologia e no inicio de Maio estava de novo em casa com o meu novo "acessório". Estava agora preparado para fazer face à arritmia, e dispunha de algo que me podia salvar nas situações mais criticas, como depois aconteceu.
Os cerca de 30 000 euros que, dizem, o CDI custa, salvou-me a vida diversas vezes, todas aquelas em que a arritmia me atacou.
Era mais um passo e após dois meses de confusões, emoções e muitas convulsões, estava agora em casa, esperançado num futuro mais risonho.

Arritmia

arritmia
(grego arrutmía, -as, falta de ritmo ou de proporção)  s.f.
1. Falta de ritmo.
2. Irregularidade nos batimentos cardíacos ou na pulsação (ex.: arritmia cardíaca).EURITMIA




No regresso a casa tive todo o apoio. Da MA, da Drª AM, do S, enfermeiro do Centro de Saúde. Havia pensos a fazer, pontos para retirar, e as dores no peito limitavam muito os movimentos. Estava bem sentado, mas na cama as coisas não eram fáceis. Uma volta na cama, uma mudança de posição muito dolorosa, e era uma verdadeira aventura. A cicatriz ainda estava fresca, e o externo tinha sido, primeiro fracturado, depois aberto para efeito da operação.

Em Ourique tinha todo o apoio necessário, e sentia que recuperava dos piores momentos. Não podia conduzir, por enquanto, e  os dias da semana passavam devagar. Tudo era lento mas recuperava. Sabia que no dia 14 de Abril, sábado seguinte a MA iria fazer o lançamento de um livro que tinha escrito com a CC, na Editora Piaget, a partir de uma série de trabalhos de alunos.  Isso implicava deslocar-me ao Algarve, pois tal decorreria na Biblioteca de Lagoa.

Tomava a medicação, que incluia medicação para a tensão e para controlar as arritmias. As coisa estava a andar e cada dia melhorava. No dia 13 nascia o João Miguel, e no sábado 14 fomos para o Algarve para a sessão de lançamento que decorria na Biblioteca de Lagoa.. A MA pos-se a preceito, a FL faria a apresentação do livro, e depois seria a sessão de autógrafos. Na sessão estava muita gente. Os alunos, que tinham participado com os seus trabalhos, estavam em grande parte presentes, tendo alguns deles vindo de longe. Também estavam professores de escolas onde os trabalhos tinham decorrido, nomeadamente de Silves, eu próprio lá estava num cantinho, muito fragilizado, mas feliz por estar a aultrapassar esta fase.

Tudo correu muito bem, os discursos, o rever de pessoas que se preocuparam comigo, a MA estava, como seria de prever, a rebentar de vaidade, parecia um dia perfeito. A apresentação havia de ser seguida de um jantar, no restaurante Ciclo, em Lagoa, pois o retaurante habitual dos eventos da Câmara, o Lotus, estva encerrado, por um motivo excecional qualquer.

E assim foi. sentá-mo-nos na mesa, onde para além de mim e a MA, estava a FL, a CA e a CC com o marido.A conversa fluía sem problema, embora eu me sentisse muito frágil e sem grande "força de vontade". A mim coube-me encomendar "chateaubriant", isto é uma posta de carne mal passada e suculenta. Ao começar a comer apenas senti uma tontura, a mesma do dia do "pastel de nata". E o silêncio.

Acordei no chão, "Sr Carlos Sr Carlos..." , muita gente de volta, as mesas do restaurante desarrumadas, e ao que parece, segundo me contaram, uma forte arritmia, seguida de paragem cardio repiratória. Nada mais, nada menos !!! O 112 já lá estava quando acordei. Tinha desmaiado, caído no chão, alguém terá gritado "Hà algum médico na sala !!!" e havia não um, mas três, e uma delas uma  anestesista de S. Marta. Que coincidência. Com a calma de médico fizeram a reanimação, com masagem cardíaca, enquanto o INEM era chamado, tendo chegado dez minutos depois. Nesse momento já estava reanimado, embora desorientado, sem ter o verdadeiro sentido daquilo que se tinha passado. Transferiram-me para o Hospital de Portimão. Tinha sido uma enorme confusão, apenas me lembro da ambulância naquela rua, as luzes intermitentes a piscar, as pessoas a espreitar nas janelas, já era noite, e viam o que se passava.

Dei entrada em Portimão já depois das 8 ou 9 da noite. A urgência estava cheia como um ovo, mas lá me arranjaram um lugar num cantinho mais protegido, pois estava muito debilitado. Cardiologia não existia por ali. Entretanto a MA fazia os contactos habituais, Drª AM, Drª MJ, que recomendaram a transferência para S. Marta. A noite passou-se mal; despiram-me, colocaram-me uma bata, picaram-me com um cateter, tiraram sangue, tive de contar a minha história, com o ânimo  que pude. Mal dormi a noite. Sei que a MA também não. Tudo era complicado, dificil, a história ia-se repetir. Agora que pensava que tudo estava passado, voltava ao ponto zero !

De manhã muito cedo foi-me dito que iria ser transferido para para Lisboa, S. Marta de novo. Assim foi, uma ambulância de Silves levou-me, a MA, lembro-me de a ver à porta do Hospital, depois iria ter comigo, mais tarde. Cheguei a Lisboa por volta do meio dia, entrei nos mesmos cuidados intensivos, de onde tinha saído para a operação, fui posto na mesma cama onde tinha estado cerca de um mês antes. Os mesmos fios, cateteres, tubos, os mesmos enfermeiros, médicos, a mesma música de fundo e os mesmos alarmes. A amiodarona a escorrer para a minha veia, a corroer. Lá estava de novo. Nova odisseia, e uma nova fase. Já tinha sido operado, e tinha tido alta há cerca de uma semana, mas entrava de novo no hospuital. O que fariam desta vez, como alterariam o curso deste destino que parecia querer puxar-me para baixo, cada vez mais para baixo ? O que seria agora de mim ? Haveria mais a fazer que não tivesse sido já feito ? Entretanto era domingo, só no dia seguinte poderia ser visto pelo médico, um especialista em arritmologia. Depois decidiria. Agora só restava esperar e passar o melhor possivel. Ao final da tarde ainda veio a MA. Tinha vindo do Algarve de novo para me acompanhar.