quarta-feira, 21 de março de 2012

Sinais

sinal
(latim tardio *signalis, -e, que serve de sinal, de signum, -i, sinal)
.s. m.
1. Coisa que chama outra à memória, que a recorda, que a faz lembrar.

2. Indício, vestígio, rastro, traço.

Quando procuro sinais do que veio a acontecer encontro muito pouco na memória. Ou tudo se esvaziou, ou nada afinal aconteceu. A primeira vez que a palavra "arritmia" surge no meu vocabulário foi em 1996. Exames de rotina realizados na empresa onde trabalhava, análises, electrocardigrama e uma consulta com o médico do trabalho. Riscos num papel milimétrico, aparentemente iguais a outros que já tinha feito, o "senhor doutor", habitualmente bem disposto, disse "Ó engenheiro tem aqui umas arritmias mas nada de preocupante..."  Eu próprio desconhecia o que aquilo queria dizer, pois para mim todo o gráfico para onde olhava como "boi para palácio", me parecia uma grande arritmia... Hoje já sei, estive mais perto da morte devido a elas, essas "bexigosas", e a outras coisas parecidas.
Sei agora que, quando o ritmo cardíaco é inadequadamente rápido ou muito lento, estamos perante arritmias, e que estas podem ser fatais.
Regressei ao meu trabalho, pronto para esquecer tudo aquilo que me tinha sido dito, e retomar uma vida normal, a palavra arritmia tinha já sido esquecida, se é que alguma vez ocupou algum espaço no meu dicionário pessoal.
Também não havia razão para fazer parte dele. Na altura tinha 45 anos, algum peso a mais, pouca actividade física regular, sedentarismo, algum stress, e uma vida de homem viúvo, duas filhas a cargo, algumas relações afectivas pontuais, que não estáveis. Não fumava, não bebia em excesso, e não cometia aqueles excessos que podem arrasar o coração aparelhado para a vida que nos foi dado viver. Nada de anormal então. Vida profissional estável e com algum desafogo, casa em Lisboa e Azeitão, computador e internet nos seus primórdios, tudo para viver mais 45 anos despreocupado e desaparecer no momento certo, quando todos os outros também desaparecem. As ondas de turbulência do ano de 1992 já estavam ultrapassadas.
Voltei a ouvir falar da palavra "arrítmia" mais uma vez, antes de a escutar de uma forma mais dramática.
Em 1998, comprei casa em Lisboa, para deixar uma casa alugada. No processo de compra foi-me proposto um seguro de vida associado ao crédito que na altura  procurava obter. De novo exames médicos. Doenças anteriores, historial clínico, nada de especial. Gripes, ouvidos e era tudo. Afinal tinha sido uma pessoa saudável, apesar da aproximação aos 50 anos.
Desses exames fazia parte um electrocerdiograma, o primeiro feito desda a visita ao médico do trabalho. Aí surgiram de novo as arritmías, e esta palavra foi de novo recuperada do baú da minha memória. Mas afinal qual o problema, apenas uns pequenos batimentos a mais ou a menos, seria razão para se recusar um seguro de vida ? Quereria isto dizer que a probabilidade de chegar ao final do contrato de crédito, vivo e saudável, era menor que dos outros "viventes"?
Agora, para continuar o processo exigiam uma prova de esforço, que prontamente fiz e enviei à seguradora. Esta tinha-me pedido dias antes essa prova de esforço, afirmando com todas as letras que "nenhum compromisso de seguro seria assumido, sem haver  por parte desta seguradora uma aceitação explícita". Ameaçador...
Estaria eu em risco? Afinal a vida saudável, 47 anos de boa alimentação, conforto, cuidado em manter a mente sã e corpo são, não serviriam para nada ?
A "aceitação explícita" nunca veio, mas vi, pelo desconto do valor da apólice na conta bancária, algum tempo depois, que o seguro fora feito. Mistério...
Pelos vistos o risco não era grande. O valor do empréstimo era pequeno, e mesmo que tivesse de ser pago antecipadamente "por morte do tomador do seguro", aquilo que iriam pagar justificava o seguro.
Fiquei mais decansado !!
Havia alguém que apostava que nos próximos 25 anos me manteria vivo. Apostava contra o destino. Esse reconhecimento custava-me nove euros por mês, nem era caro. E era reconfortante...
Estes foram os primeiros SINAIS, não valorizando uma "dor de burro" que não se sabe se é barriga, peito, estômago ou fígado, baço ou pâncreas, que algumas vezes sentia.
De electrocardiogramas, arritmias, e outras "chinesices" jamais ouvi falar até 2006, isto é durante mais de 8 anos.

Entretanto a vida mudou. A estabilidade deu origem à incerteza, a fuga para a frente, a falência, a reconstrução da vida, foi mais um passo. As filhas cresceram, casei de novo, regressei a Setúbal e nem soube mais das tais arritmias. O coração parecia forte e parecia certo que a seguradora tinha feito um bom negócio comigo. Por um triz não se tornou num mau negócio para ela e para mim.

Sem comentários:

Enviar um comentário