segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Banho


banho
(latim balneum, -i)
s. m.
1. .Ato de banhar ou banhar-se.
2. Líquido em que alguém se banha.
3. Imersão em.
4. Exposição a alguma coisa (ex.: banho de sol).
5. Inserção temporária em determinado meio (ex.: banho de multidão).
6. Líquido para tingir.
7. [Informal]  Derrota pesada ou superioridade clara (ex.: deu um banho ao adversário). = BANHADA
8.  [Antigo]  Presídio de forçados.



Durante mais de três meses o meu conceito daquilo que é um banho teve de mudar. Banho passou a ser uma limpeza de alguidar em alguidar,  uma toalha húmida, por vezes escorrida para que um fio de água pudesse cair na face, provocando uma sensação de frescura, o cabelo muitos dias, ou até semanas, ficou por lavar. Banho na casa de banho, com duche e água corrente, cabelo bem passado por água, apenas alguns dias em que me encontrava melhor, ou depois do transplante, é que pude experimentar essa sensação boa de água corrente. Algo a que damos tão pouco valor, e que nos dá tanto prazer, mas que só valorizamos quando estamos a perder-lhe o acesso.

O banho numa cama é arte, sobretudo para quem tem de dar, e é um pesadelo para quem recebe. Pelo menos no inicio quando nos despimos e sentimos um frio intenso. No final, as voltas todas dadas, tudo resolvido, cama feita, lençóis novos, dá uma sensação de alívio, uma frescura, quando a cama nos abrasa, quando a noite foi inundada por suores, como muitas vezes aconteceu. Neste caso de manhã sentia uma enorme necessidade da água, mesmo apenas uma toalha húmida em contacto com o corpo. Mas vamos à arte.

O banho na cama começa pelo retirar da roupa, soltar os lençóis da sua posição e colocar uma toalha por cima para tapar as "partes íntimas", evitando a exposição, pois em geral era dado por duas pessoas, uma auxiliar e uma enfermeira. Duas bacias, água morna, sabão líquido, duas esponjas. Mais duas toalhas.
O percurso inicia-se na cabeça, na testa, nariz, olhos e resto da face, corre a água e logo se procura secar. Passar bem os olhos, para que se abram e não fiquem as pálpebras coladas pelos restos de uma noite em geral mal dormida. Passa-se ao peito e à barriga, braços e axilas. Segue-se para as pernas e pés que são lavados dedo a dedo e logo secos cuidadosamente. A secagem é imediata para não se apanhar frio. Ainda de barriga para o ar as partes íntimas ficam ao cuidado do paciente. Poucos enfermeiros se aventuraram por aí, a menos que seja verdadeiramente necessário. Nesse ponto cada um trata de si. Pára-se no limite da "humilhação" para o paciente. Depois com apoio, roda-se o corpo como se se estivesse a enrolar um cigarro, para lavar as costas e as nádegas, que ficam a cargo da enfermeira. Entretanto vai-se introduzindo o lençol limpo por baixo do paciente, e faz-se a cama de um dos lados. Terminada esta fase o doente roda no sentido contrário para cima do lençol limpo, e este é puxado por baixo do paciente, enquanto se retira o lençol sujo.

Trabalho limpo e rápido. O lençol é entalado na cama após bem esticado, e apenas se terá agora de colocar o lençol por cima e vestir pijama, para o que há sempre uma ajuda, pois tem de se assegurar a colocação dos fios e tubos retirados, e que os que o não foram não se soltem.

Tudo pronto, uma sensação de grande alívio, de limpeza, de frescura, misturada com uma vontade de meter os pés e as mãos dentro das bacias de água, chapinhar, o que por vezes os enfermeiros permitem.
No período de espera, por vezes estava em condições de ir à casa de banho, acompanhado com um enfermeiro ou auxiliar. Aí sentava-me no apoio metálico, que era uma espécie de "cadeira", onde me sentava, despia, e o acompanhante dava chuveirada dos pés à cabeça. Procurava proteger com sacos de plástico, pensos, tubos, aparelhos que me acompanhavam até ao banho, pois as perfusões não podiam ser interrompidas, e o banho era completo mas rápido. Já todos, homens e mulheres, auxiliares e enfermeiros, conheciam o meu corpo nu, tecendo comentários acerca da minha magreza e estado "escanzelado". Mas reconheço que tentavam ser agradáveis, positivos, e nunca deixavam transparecer que estariam a fazer algo de anormal, pelo que jamais senti algum pudor acerca do acto de tomar banho nu, perante homens e muheres que só  ali conheci. Ía e vinha em cadeira de rodas, pois só o pequeno trajecto entre a cama e a casa de banho, cerca de 50 metros, era demais para o meu coração tão debilitado.

Após o transplante, no isolamento era dado banho na cama, mas já no meu quarto/enfermaria, que tinha uma casa de banho privada, comecei por tomar banho ajudado, pois na primeira semana as forças eram poucas. Passado esse período, comecei a tomar banho sózinho, embora sentado, procurando estratégias que facilitassem o acto. Dificil era vestir sozinho, mas para simplificar já deixava a roupa em posição que facilitasse. Tudo tinha de ser estudado e a regra era não dar o passo apenas com a perna, mas antes, dá-lo com a cabeça, e aplicava-se na perfeição a tudo, para evitar passos em falso e riscos inúteis.

Retornado a casa, um novo desafio se colocava. As primeiras vezes a passar a parede da banheira parecia uma prova de salto em altura. Muito cuidado com tapetes, ou anti-escorregas na banheira, uma pega para me agarrar, um banco de plástico, para apoiar dentro da banheira foram aquisições obrigatórias, Pouco a pouco a confiança no novo espaço, a nova realidade, e lá nos vamos adaptando pois um homem adapta-se a tudo, ultrapassa todas as barreiras, para sair limpo e bem barbeado, e para obter conforto também é preciso correr riscos.

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