segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Psicologia


psicologia
s. f.
1. Parte da filosofia que trata da alma e das suas manifestações.
2. Estudo dos fenómenospsíquicos.


Era o primeiro a apontar o dedo e a recusar a importância ou a eficácia do acompanhamento psicológico. Enquanto esperava na UCIC, a enfermeira-chefe decidiu pedir para mim um acompanhamento. Foi assim que conheci a Drª N que ainda hoje, aquando das minhas rotinas a S.Marta, procura acompanhar a evolução.

Dizia eu, há algum tempo, que uma consulta com um psicólogo pode ser substituída por uma conversa com amigos, uma visita de família, ou a leitura de um bom livro. Hoje penso que não é bem assim.

De um primeiro contacto desconfiado, acabou criando-se um clima de confiança. As dúvidas acerca do presente e do futuro da minha situação, como lidar com as suas consequências, a antevisão do que poderia acontecer e como gerir os acontecimentos, lidar com eles, mais do que com o médico assistente, estes assuntos foram tratados com a Drª N. Ela sempre soube colocar as boas perguntas, responder às minhas dúvidas, as que tinham resposta, ou não responder àquelas que a não tinham.

As conversas tornaram-se quase diárias, ou no mínimo duas ou três vezes por semana. Aspectos relacionados com o internamento, com a cirurgia para que estava proposto, com as suas possibilidades de sucesso ou insucesso, a família, os amigos, a doença e as suas implicações, o futuro e a forma de o encarar, as intercorrências e o seu impacto. Um apoio excelente, impecável e quase imperceptível, com uma subtileza e uma inteligência que me surpreendeu, A ajuda foi muito especial. Não é de facto "apenas" uma conversa de amigos ou de família. Apercebemos-nos bem da presença de profissionalismo, que simultâneamente aproxima e mantém uma distância adequada, longe para que não nos sintamos "invadidos", mas não tão longe que nos sintamos apenas "observados".

Antes e depois do transplante a lógica foi sempre a "preparação" de um futuro, esclarecido e sem medos, em que a consciência dos limites do problema estava sempre muito claro, sem dar uma imagem mirífica do que se poderia vir a passar. Bem pelo contrário. Tudo me pareceu mais claro, e sempre fiquei muito mais esclarecido, mais consciente, com uma visão mais clara. A própria MA se socorreu dela uma os duas vezes, e a intervenção foi sempre muito profissional, sem interferências abusivas, pisando sempre um terreno firme, sendo que as certezas e as dúvidas eram claras e passadas para o doente, sem deixar lugar a ambiguidades. A ajuda assim obtida foi inestimável, e muito contribuiu para estabilizar o meu estado de espírito e criar uma força suplementar, esclarecida, para enfrentar a adversidade. Mais consciente, melhor informado, mais forte.

Quando entramos no processo de transplante, nada sabemos dele, ou muito pouco. Os médicos, por razões profissionais, feitio ou falta de tempo, pouco esclarecem, ou fazem-no apenas por monosílabos. Foi a psicóloga quem mais me ensinou acerca dos detalhes do processo. Talvez por olhar para ele da mesma forma do doente, de forma simples, com a maior compreensão, acerca das dúvidas do doente e a capacidade de dar aquelas resposta simples que procuramos. Perguntas, como por exemplo, "como é o isolamento?", "quanto tempo lá estarei?", "vale a pena acreditar na eficácia do transplante?", "o que se come depois de ser transplantado?", "que evolução terá o meu corpo?", "terei uma vida normal?", perguntas a que respondia de forma a que o doente percebesse que também que há coisas que já sabe, pela experiência de outros, outras coisas não sabemos mas suspeitamos. Sem a responsabilidade que teria um médico ao dar as mesmas respostas, a psicóloga ajudou-me a compreender melhor o presente e o futuro, a preparar uma vida equilibrada para além do transplante, para além daquela cama, daquelas enfermarias. Foi uma das coisas boas que me aconteceram naquele hospital. Mudou a minha forma de ver a psicologia, as consultas e o "acompanhamento" proporcionado por estes profissionais.

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