quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Alta


alta
(feminino de alto)
s. f.
1. Aumento no preço ou no valor. = SUBIDABAIXA, DESCIDA, QUEDA
2. Permissão para o doente sair do hospital.
3. Documento que contém essa permissão.
4. Regresso de um militar ao serviço depois de baixa ou de licença.
5. Zona de uma povoação, geralmente de uma cidade, mais elevada em relação ao que a circunda. (Geralmente com inicial maiúscula.)
6. Parte da sociedade considerada de maior categoria ou de maior prestígio.
7. Demora, paragem.parada.


Após aquele quase mês no quarto, a que chamavam enfermaria, o Dr RS, começou a dar sinais de que a minha estadia estaria perto do fim. O edema nas pernas e pés mantinha-se, embora com algumas melhorias devido ao efeito de doses altas de diuréticos, exercício, pés e pernas colocadas em posição elevada, o que me incomodava, particulermente a coluna. As dores, nesse particular eram muitas, e as pernas assumiam um peso de toneladas, seja pelo seu inchaço, seja pela sua incapacidade de servir de base de suporte ao torax, pois a ausência de massa muscular era aflitiva. O peso, e sobretudo o músculo, tinha-se volatilizado, e agora, segundo a fisioterapeuta demoraria muito tempo a recuperar, talvez até anos. A destruição é rápida, a recuperação muito lenta.

Mal, com alguns dias de antecedência, o Dr RS começou a pôr a hipótese de alta, sempre com poucas palavras, eu percebi que estava por dias. O regresso a casa implicava alguns cuidados, nomeadamente o controlo total da medicação, que estava adquirido, uma aprendizagem relativa à alimentação, nomeadamente o que poderia ingerir ou não, e a forma de confecionar para evitar contaminações, os cuidados com higiene pessoal, com a limpeza da casa, que deveria ser objecto de uma limpeza profunda antes do neu regresso, nomeadamente quarto e casas de banho. Os agentes contaminantes eram muitos, e estavam por todo o lado. Da alimentação falarei mais tarde. Foi-me cedida uma brochura onde a informação acerca de alguns hábitos, atitudes e recomendações, sobretudo para os primeiros tempos.

Veio a Drª RBM, que me explicou tudo acerca da forma de lidar com a minha nova "coqueluche", a diabetes, a fisioterapeuta explicou que poderia optar por fazer recuperação cardíaca ali em S. Marta, mas tal implicava permanecer em Lisboa, coisa que era dificil, e preferia regressar ao Alentejo, de que tinha saudades, e finalmente uma conversa com o Dr RS com uma longa lista de perguntas que fiz e às quais respondeu, como sempre, poupando as palavras, mas sendo claro. Por exemplo, o uso da máscara, era para mim algo que teria de esclarecer, pois não seria necessário andar sempre com ela, mas apenas em situações de risco mais acentuado, como idas ao hospital, um ninho de bactérias, centro de saúde, sempre muito infectados com virus da gripe e outra "bicharada", zonas comerciais, transportes colectivos, presença de pessoas com gripe ou outras infeções e apenas durante os primeiros meses. Aos poucos iria abrindo até o seu uso poder ser quase totalmente evitado.

Entretanto a MA ía trazendo a roupa que levaria para casa, pois naquela altura, com menos 23 quilos, nada me servia, tudo era enorme, e não valia sequer a pena comprar novas roupas, pois não sabia para já qual seria a evolução. Tudo requeria adaptação.

Por outro lado, após a alta, iria iniciar um processo de acompanhamento que, durante seis meses, seriam visitas semanais a S. Marta, um esforço físico, pessoal e financeiro excepcional, pois, por coincidência, foi nessa altura que terminaram os apoios aos transporte de doentes em ambulância, forma como das primeiras vezes viria, e a vinda a Lisboa iria custar ceca de 140 euros por semana, pois tinha-me associado dos bombeiros, e isto era "apenas" 50% do valor a pagar. A vinda de carro seria possível mas inviabilizou-se, pois a condução em Lisboa não agradava à MA, e de transporte público para já não.

Na data aprazada para a alta, a MA ficou em casa para preparar tudo, e pelas 15h os Bombeiros foram-me buscar a S.Marta. Estava pronto, vestido, o que me custou muito, tinha as coisas arrumadas, coisa de que se ocuparam as minhas filhas, e vim de cadeira de rodas para a ambulância. Não foi necessário a maca, tudo correu da melhor forma. Ajudado pelo bombeiro, sr F, acabei por subir para a ambulância, e fizemo-nos ao caminho. Era fim de tarde de um dia de sol de Janeiro, e há muito que não saía do Hospital. A expectativa era grande, começámos pelo trânsito do Marquês de Pombal, ponte 25 de Abril, A2 rumo a Sul, o mais desejado. Tinha feito o trajecto inverso, pelo mesmo caminho, no inicio do Outono, este tinha passado, e já estávamos a meio do Inverno. Saboreava todo o ar que me rodeava, era fresco, não o ar empestado do hospital, podia usufruir do simples acto de respirar, coisa que há muito não sucedia. Os olhos toldavam com a claridade, felizmente alguém se tinha lembrado de me enviar uns óculos de sol, pois não suportaria a luminosidade, habituado que estava à penumbra. O bombeiro dizia ter pensado que iria buscar alguém de maca, prostrado, e afinal tinha-se admirado, como após menos de um mês depois do transplante, estava de pé, andava, embora com dificuldade, e só a magreza e as pernas inchadas e passo atabalhoado, indicavam que tinha estado doente de forma grave.

A travessia do Alentejo fez-se de forma rápida e sem dificuldades, o verde estava por todo lado pois tinha sido um ano muito húmido, tinha-me apercebido disso durante os meses de espera, e a natureza explodia, sobretudo o Baixo Alentejo, onde os campos eram exuberantes.

Cheguei a casa pelas 18h. Ajudaram-me a sair da ambulância e lá me fui "arrastando" até casa. A MA tinha telefonado á minha médica de família, DrªAM, que veio passado algum tempo, com o enfermeiro S, para tentar desde logo organizar um plano para as próximas semanas. Havia pensos a fazer, que iam ser feitos em domicílio, pois nem pensar em qualquer deslocação ao Centro de Saúde, por enquanto. Havia fisioterapia a fazer, em casa nos primeiros tempos, para tentar melhorar o meu desempenho e mobilidade, estaria assim dependente dessas visitas e da MA para tudo o restante, pois estava proibido de conduzir no mínimo por seis meses, não viesse a ser destruida a sotura que tinha no peito, com algum impacto indesejado. Estava então numa dependência dos outros, e só me restava, ler, escrever, ver televisão, consultar o computador. Um pequeno conjunto de actividades simples das quais pouco passaria. Já estava reformado, dado o anterior nível de insuficiência cardíaca, e as complicações que entretanto ocorreram recomendavam que me mantivesse em "serviços mínimos". Escusado será dizer quanto tal situação me penalizava, mas apesar de tudo tinha sido possível o mais difícil, tinha salvaguardado a vida, contra todas as investidas da morte, e muitas foram. Deus não me queria ainda no meio do seus.

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