sábado, 29 de setembro de 2012

Organização


organização
s. f.
1. Ato ou efeito de organizar.
2. Organismo.
3. Estrutura.
4. Fundação, estabelecimento.
5. Composição.

Agora no quarto, entregue à minha sorte, teria de encontrar uma organização que eu pudesse assegurar.

O dia começava pelas 7h00, pois tinha medicação a tomar, e quase todos os dias havia sangue a tirar, Era o enfermeiro quem se encarregava, e antes das 7h00 já acordara logo que escutava os passos no corredor. Ouvia um pouco de rádio, até ir tomar banho, pelas 8h30. Nos primeiros dias o banho era apoiado por um auxiliar que me ajudava nos diversos movimentos; o WC estava mal adaptado, e tinha dificuldade em o utilizar. Pelas 9h00 vinha o pequeno almoço, entretanto já tinha comido alguma coisa, para tomar a medicação pelas 8h00, daqueles copinhos que já falei. Começava a ter fome, muita fome, e comia tudo o que me era dado. O resto da manhã era um corropio.

Quase todos os dias havia raios X, electrocardiogramas, fazer a cama e limpar o quarto, para o que tinha de me sentar no cadeirão para não atrapalhar, havia ainda fisioterapia, de tal forma que muitas vezes atrapalhavam-se uns aos outros, e o meio dia chegava muito depressa. Quando já estava melhor, e tinha tempo, aproveitava para fazer "corredores", isto é andava corredor acima e abaixo, primeiro apoiado pela Sandra, a fisioterapeuta, mais tarde sózinho agarrado às paredes e com muito cuidado. Colocava sempre uma máscara para me proteger.

O almoço vinha por volta das 13h00, e na actual modalidade lá vinha a caixa azul, isotérmica, com a refeição a escaldar. Um dos dias colocaram lá uma gelatina, por engano, e vinha em água...
Agora tinha ainda um novo brinquedo para me entreter, um dispositivo para medir a glicémia, e uma caneta para administrar a insulina, tinha também conhecido a Drº RBM, jovem endocrinologista, que me explicou tudo e me acompanhava no que se referia aos diabetes. Antes de pequeno almoço, almoço e jantar havia que picar o dedo para medir a glicémia, e administrar insulina com a tal caneta, com a qual dava uma picada na barriga ou nas coxas.

Após o almoço descansava. Os pés e as pernas muitos inchadas recomendavam descanso; era um peso que deixava de sentir durante cerca de duas horas, até chegar o lanche pelas 16h00. Durante esse tempo dormia, ou ouvia música no iPod. Entre o lanche e o jantar, cerca das 19h00, lia, pois preferia a manhã para escrever, por haver mais luz, e para me recordar mais facilmente do sucedido. Já nesta altura começava com alguns problemas de vista. O jantar vinha cedo. Com frequência tinha visitas por essa hora, sobretudo as filhas, pois a MA, quando vinha escolhia a hora de almoço. Assim tinha quase sempre apoio para as refeições, pois os movimentos ainda não eram à vontade.

O jantar seguia rapidamente o mesmo caminho das outras refeições. A fome apertava, tinha perdido muito peso, mais de 20 quilos e a medicação abria o apetite. Após o jantar e a saída das visitas, pelas 20 horas era a tlevisão que me interessava. Notícias, debates, até cerca das 22 horas. Foi ali que apanhei o hábito de ver o Jornal das 9h, do Mário Crespo, visto em geral já na cama, pois já não suportava o cadeirão, e as pernas altas, devido ao edema, incomo davam-me. A ceia só era servida muito próximo da meia noite, pelo que até lá apagava todas as luzes e ouvia música no iPod, por vezes adormecia. Era um sossego, por vezes adormecia e era acordado para a ceia, e para alguma coisa que a enfermagem quisesse, medicação, avisar das análises do dia seguinte, para estar de mente preparada, dada a dificuldade da recolha. Colocar o urinol à mão, pois de noite era um desatino, os medicamentos para a manhã, ali à mão para não ter de levantar, água, liquido para desinfectar as mãos, iPod, telemóvel para poder ouvir rádio de manhã, comando do ar condicionado, pois estava frio, compressas, e de luz apagada adormecia, para um sono pouco duradouro, , pois acordava muitas vezes para urinar. Muitas e muitas vezes. Começava também a ter dores muito intensas na coluna.

À medida que ía sentndo maior autonomia e capacidade de me movimentar, fui dando cada vez mais e maiores voltas no corredor. Descubro o centro espiritual, de que falarei depois, e ía com frequência lá. Senti alguma solidão neste quarto, mais do que no isolamento que permitia ver o exterior, no quarto não.. Mas a solidão jamais me preocupou, não sou daquelas pessoas que precisa de estar sempre acompanhada, gosto do silêncio, sei ocupar a minha cabeça e detesto confusão. A solidão acalma-me. A solidão protege-me. E ali tinha essa calma que a solidão me proporcionava. Sentia melhorias significativas, e o melhor de tudo, tinha saltado uma barreira para o "lado de lá", por muitas coisas que viessem a acontecer não voltaria atrás, o que devia ter sido feito estava feito,. Agora era sair por cima, mas o dificil estava superado e este novo "coração" não me iam tirar já. Era uma boa sensação, tinha valido a pena tanta espera, tanta esperança e tanto desespero. A morte estava, pelo menos por agora, superada!

Estive neste quarto de 5 a 27 de janeiro, e dele saí directamente para casa.

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