domingo, 23 de setembro de 2012

Anúncio


anúncio
(latim annuntium, -ii, que anuncia)
s. m.
1. Aviso ou notícia que se dá de alguma coisa. = COMUNICAÇÃO
2. Mensagem escrita ou audiovisual que promove determinado produto ou serviço nos principais meios de comunicação.
3. Sintoma, indício.

Tinham-me sempre dito que na altura do Natal é que é !!! Mantenha a calma, mantenha-se em bom estado, vivo, tenha esperança, no Natal, infelizmente para os outros, a disponibilidade de orgãos para transplante aumenta, e isso é uma nova esperança.

À medida que a data se aproximava a esperança aumentava. A partir da reentrada na lista de espera, após aquela infeção indesejada, a perspectiva de obter um novo coração alimentava o sonho de sair daquela cama..., para uma vida quase normal. Entretanto, a regra de que é preciso piorar para depois melhorar, estava de facto a cumprir-se. Eu sentia-me cada vez pior. A monitorização do meu ritmo cardíaco mostrava batimentos desordenados, por vezes tropeçava, caía e em dois ou três batimentos quase simultâneos, recuperava. O coração corria, e dava trambulhões... As complicações apareciam, mas íam-se resolvendo. Estava atento às notícias, com uma postura algo seráfica... Acidente junto ao Estádio Nacional com três mortos, acidente na nacional núnero tantos, dois feridos graves. Algo me dizia que a solução do meu problema estaria ligado a estas situações que se passavam um pouco por todo o lado, acentuadas no Natal. Segundo ouvira dizer o que importava não eram os mortos, pois destes que sucumbiam nas estradas não era possível aproveitar o coração que morria. Os feridos graves, que vinha a falecer no Hospital, sim, pois nesse caso era possivel controlar a morte cerebral, mantendo o coração vivo e em condições de ser doado. As condições climatéricas tinham sido severas nesse ano, a agravavam-se, tornando a situação nas nossas estradas mais perigosa, e os riscos maiores. Estranho, eu não desejava intimamente que ninguém morresse ou ficasse ferido, mas de qualquer forma sabemos que alguém vai ter de ficar ferido e morrer nas estradas, a julgar pelo histórico do tráfego. É uma fatalidade da qual eu poderei tirar partido. É estranho, é assim que as coisas são por mais que eu não quisesse. Claramente, a minha solução passava por ali.

Chegou a semana do Natal e a ansiedade aumentava. Algo poderia acontecer. Recordo-me que tinha estabelecido três objectivos, e o um deles era ter o transplante feito com sucesso até final do ano. Faltava pouco. Os dias iam decorrendo sem que os pudesse parar, sem esperas, todos os  dias contavam, todos tinham o mesmo valor. Chega-se a véspera de Natal, a consoada com as minhas filhas, e a consoada solitária da MA e  nada acontece. A mesa de cabeceira serviu de mesa de consoada, o bacalhau não faltou, trazido pelas filhas bem como o bolo rei.

Durante o dia olhava para a porta e para o relógio que a encimava, e a notícia que esperava jamais entrava por ela. Pensei que talvez o momento fosse o Ano Novo. Afinal o meu "objectivo" não seria verdadeiramente um objectivo mas sim um desejo. O dia de Natal passou-se, a MA veio ao almoço, ficou para a tarde, e também para o dia seguinte, 26 de dezembro. Suavizou-se alguma da ansiedade. Nesse dia a MA almoçou comigo e partiu para regressar a casa no autocarro das 15h15. Deixou-me por volta das duas horas, quando terminava a visita,  saiu. Passado algum tempo pela porta para onde a esperança estava sempre virada, entra o Dr RS e diz-me de forma calma, quase a medo, "há uma possibilidade de termos orgão disponível, mas ainda há testes a fazer, para saber da compatibilidade". A partir dagora não comia mais nada, e os enfermeiros ocupar-se-iam da preparação para a cirurgia. "Quando houver noticias definitivas eu informo, talvez no final da tarde já se saiba, entretanto convém estar preparado".

Era assim que no inicio me tinha sido dito que tudo se passaria.Seria feito um anúncio, mas este poderia ser um "falso alarme", tinha no entanto de me preparar como se fosse real. Se, após os testes, entre o sangue que já me tinha sido retirado para o efeito, e o do dador, ainda antes de ser recolhido o orgão para transplante, poderia ser clarificada a possibilidade da cirurgia.

Agora tinha pela frente três ou quatro horas de espera, que poderia terminar com uma de duas respostas: sim ou não ! Se fosse sim subiria para a cirurgia, se fosse não teria de esperar nova oportunidade.
De imediato começou a preparação. Não tive sequer tempo para pensar. Foi retirado mais sangue, e de seguida fui tomar banho completo, com um produto desinfectante. Retiram as pilosidades na região a operar, fiz  necessidades fisiológicas, com a ajuda de um clister. Fui pesado e tinha 60 kg, teria assim perdido 23 kg desde o inicio da "crise", em cerca de 6 meses. Fui vestido apenas com uma túnica verde, muito leve, em teflon, e colocaram-me um barrete na cabeça, do mesmo produto, e estava totalmente preparado para passar a tarde, até vir a resposta definitiva.

Não me sentia mais ansioso, receoso ou com medo. Acreditava na cirurgia e no seu sucesso. Apareceu a anestesista para que assinasse uns papéis e responder a algumas perguntas. Autorizar a operação, a anestesia, transfusão. Surgiu também um médico, com um grande capote pelas costas e barba por fazer para trocar algumas impressões comigo. Percebi que ía fazer parte da equipa que ía realizar a operação, se houvesse operação. Era domingo, provavelmente estaria em casa, à lareira, estava frio, e tinha sido chamado.
Em menos de uma hora tudo foi tratado, e agora era esperar. Os enfermeiros, auxiliares e médicos de serviço vinham despedir-se e desejar sorte. Era também uma grande alegria para eles terem sido capazes de me manter vivo, e terem-mea feito chegar a este dia. Torciam por mim. Estvamos a ter o retorno da esperança. Por mim deitei-me e procurei dormir de cabeça tapada, ouvi música, e esperei.

Já tinha feito os telefonemas necessários, e só esses, três ou quatro pessoas próximas, e coloquei um post no meu blog a dizer aos vindouros que por lá passassem que se deixasse de aparecer, era porque tinha sido operado e corria bem, e só dentro de algum tempo iria reaparecer. As minhas filhas vieram para arrumar as minhas coisas e levar todo o material que tinha sido usado para me ocupar a cabeça.  O livros,  a TV, computador, iPod, telemóvel, roupa, bolachas, cadernos, medicamentos, sapatos, tudo ficou arrumado para sair (ou não). de uma forma ou de outra poderia já não regressar àquele local, embora arriscasse manter.me por ali. Por isso esperaram até que a noticia chegasse de forma definitiva. E não demorou.

Pelas seis da tarde um outro médico da própria unidade chegou junto de mim e informou-me que o Dr RS tinha telefonado, não viria pessoalmente, para me dizer que a resposta era positiva., pelo que a cirurgia ía avançar, e muito em breve ía ser transferido para o bloco operatório.

O sentimento foi de um grande alívio, a excitação aumentou, jamais senti medo de que algo não corresse bem. Era como se tivesse sido fechado numa cerca durante meses e de repente uma porta se abria, teria de percorrer um caminho, mas mesmo que estivesse rodeado de leões eu correria por ele sem hesitar, pois não havia outra saída e a cerca onde estava fechado já ruía um pouco por todo o lado.

Finalmente a espera terminara e o momento das decisões chegara. Ía mesmo receber um novo orgão, vital para sobreviver. Vinha de S. Maria, foi a única informação que obtive.  Passados poucos minutos os auxiliares removeram a cama saí pela porta por onde a notícia tinha entrado, era a porta da esperança, que me tinha alimentado o sonho durante muitos meses. No corredores enfermeiros, auxiliares, e até as funcionárias da ICA ( que me serviam as refeições e me chamavam de "pisco", pelo pouco que comia ), vieram ver a minha saída e desejar sorte. Foram os meus 15 minutos de fama... As minhas filhas acompanharam até à porta do bloco operatório, situado no 3º andar. Para lá subi no elevador, e fui reebido pelo pessoal que se ía ocupar da cirurgia. Mudei para uma maca mais adequada ao acto, alguém falava, faziam-me algumas perguntas, respondia a quem podia, entrou a anestesista, a mesma que tinha visto horas antes, nessa tarde, e que agora me picou no braço, até que em segundos tudo desapareceu. Um apagão geral.

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