quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Setembro


setembro
s. m.
Nono mês do ano.
O mês de Setembro 2010 entrou com pouca esperança. A situação degradou-se e tudo levava a crer que uma solução teria de aparecer, ou seria o fim. Saiu na altura um estudo acerca de um medicamento que prolongava um pouco a vida de uma pessoa com insuficiência cardíaca, para além da média de "sobrevida" de cerca de quatro anos. Desta notícia para mim a única coisa que interessava eram os "quatro anos" em média. Estava de facto a encaminhar-me para eles. O primeiro enfarte, em Setembro de 2006, estávamos agora em Setembro de 2010. Estava na média e de facto a situação não parava de piorar, em todos os sentidos, seja no estado cardíaco, quer no restante. O estado anímico também não estava muito confiante. Tinha falado com o Dr RS que referia que, dado estar marcada a tal "ablação", esperaríamos por ela. Por outro lado a gastrite também era uma contra indicação para o transplante, e portanto para já nada seria indicado prever, esperando que a gastrite pudesse melhorar.
O estado anímico deteorava-se, e voltei a consultar a Drª MJ. Parecia-nos que algo devia ser feito, e se era para fazer, então que se avançasse o mais rápido possível, pois caso a solução fosse o transplante, ainda algum tempo haveria de passar até que este se pudesse concretizar.  Assim haveria de ser o mais oportuno para que o tempo da tomada de decisão não se esgotasse. Neste caso tinha muita confiança na Drª MJ e nas suas decisões, em geral atempadas e sempre de muito bom senso. E mais uma vez esse meu sentimento mostrou-se acertado.
Nova consulta e a Drª MJ achou melhor que eu fosse internado de novo, para que pudesse avaliar se havia alteração na função cardíaca, até aqui pouco sensível, e no caso de haver essa degradação, avançar para o Dr RS de S. Marta. Sei que só mesmo pela mão dela tal poderia ser concretizado. Assim a expectativa era grande, tanta quanto a ansiedade.
E assim foi. Internado no dia 21 de Setembro 2010, iniciava-se o Outono e os primeiros exames, revelavam o que se esperava. Uma drástica redução da função cardíaca, para valores incompatíveis com uma vida normal. O esforço que podia fazer era pouco, e para que as funções vitais permanecessem activas seria necessário uma droga estimulante cardíaca, a dobutamina, que começou de imediato a ser ministrada por perfusão, isto é, uma máquina injectava em permanência a droga numa dose pré definida, através dum cateter. Tal manter-se-ía nos próximos meses, até ao transplante. A reacção do coração à droga era notória, com aumento da frequência cardíaca e da tensão. Qualquer variação na perfusão da droga causava sintomas próximos da arritmia, com palpitações.
Entretanto, a Drª MJ, informou-me que já tinha falado com o Dr RS, que em breve seria transferido para S.Marta, e que lá faria mais exames preparatórios para o transplante. A droga que tomava também tinha sido prescrita em concordância com o Dr RS, e ela me acompanharia em dosagem variável até ao transplante. O dia em que esta conversa decorreu foi talvez o mais dificil de viver, um dos mais complicados da minha vida.
Durante algum tempo, tinha vivido com esta perspectiva no horizonte. Tinha interiorizado, imaginado, antevisto esta situação, mas sempre hipotética, era um cenário, a partir de hoje era uma realidade. Sem o transplante não iria sobreviver. E ainda não sabia se reunia todas as condições para o fazer. Nesse dia estive muito tristee à noite, chorei muito e foi a enfermeira Márcia quem me ouviu. Deu-me palavras de esperança, para mim era o longo caminho que me assustava, pois eu precisava de uma solução, mas já, mas a solução apresentava-se num futuro incerto e totalmente imprevisível. Nada faria prever que poderia sobreviver até lá. Poderia não sobreviver, bastava uma arritmia, uma actuação do CDI que não revertesse a situação, muita coisa ainda se poderia passar. Não sabia ainda como lidar com esta situação, sabia que a partir daquele momento já só sairia do hospital de uma de duas maneiras, ou vivo com um coração transplantado, ou morto, direitinho para um local a determinar.
Não ía de imediato para S.Marta porque o Dr RS me queria nos cuidados intermédios, e não havia ainda vaga, os cuidados intermédios que já conhecia de cor.
Num dos dias do internamento anunciaram-me que amanhã ( 29 de Setembro) se daria a transferência para S. Marta. Assim foi, no dia aprazado depois de almoço, numa ambulância, comigo a enfermeira Leonor, no momento da saída do Hospital de Beja, o pessoal médico, enfermeiros, auxiliares vieram desejar-me sorte, despedir-se de mim, e dizer que me queriam vivo. Foi com esse espirito que entrei na ambulância que me conduziu a Lisboa. Sabia bem o que poderia esperar, e agora, uma brisa de esperança invadia-me, ía para um local conhecido, ía começar uma nova fase. definitiva, no meu tratamento; depois de quatro anos este meu coração seria retirado e substituido por outro, que, naquele preciso momento ainda batia no peito de alguém, que vivia tranquilo, sem prever que nos próximos meses iria morrer, e a sua morte poderia dar-me uma vida nova, a alguém que agora lutava por ela, e estava próximo da perder.
Estranho mistério o da vida nos tempos que correm. Ainda bem que não somos capazes de prever o futuro !!!

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