domingo, 23 de setembro de 2012

Isolamento


isolamento
(isolar + -mento)
s. m.
1. Ato de isolar ou de se isolar. = ISOLAÇÃO
2. Estado de pessoa ou coisa isolada. = ISOLAÇÃO
3. Separação completa.
4. Solidão.

Após a realização da cirurgia, já sabia que teria de ficar em isolamento durante um período de tempo incerto, o que dependeria da minha reação e das eventuais "intercorrências". Antes da operação imaginava algo ainda mais complicado, pois não fui visitar o local préviamente, por manifesta incapacidade de me deslocar. Se o tivese feito, e recomendo que se faça, talvez ficasse mais consciente do que se iria passar, e teria sido melhor.

Em S. Marta há três locais de isolamento, três quartos de dimensões generosas, equipados com toda a instrumentação necessária para o suporte de vida, com o material necessário ao qual os pacientes estão ligados para monitorização dos parâmetros, medicação, alimentação, entre outras funções. Os inevitáveis alarmes lá estão em permanência a dar toques em função das situações que pedem intervenção mais ou menos urgente. O quarto possui uma antecâmara, isolada do quarto por uma porta e uma parede de vidro, onde um enfermeiro se encontra 24 sobre 24, cuja única função é tomar conta do paciente transplantado. O enfermeiro quando entra na zona de isolamento própriamente dita, equipa-se com máscara, toca e uma túnica, para evitar ser portador de potenciais riscos de infeção. O mesmo procedimento se aplicaria a visitas (quando as tivesse), auxiliares, pessoal que entrega alimentação, médicos. Claro que o quarto se encontra em sobrepressão, pelo que a tendência do ar é sempre a sair, sendo injectado sempre ar novo e filtrado. Nota-se sempre um ligeiro sopro que resulta dessa entrada de ar.

Antes do transplante, e dada a demora, cheguei a pensar que, o facto de existirem poucos isolamentos, apenas três, onde se pode permanecer 6 meses ou mais (embora raramente tanto tempo), poderia ser um limite que impediria o transplante, obrigando a perder oportunidades. Mas o Dr RS cedo esclareceu que não, pois segundo ele, embora se pratique sempre, não é imperativo este período de isolamento para os transplantados cardíacos ( não é o caso dos pulmonares), podendo os transplantados ficar apenas em cuidados intensivos, como sucede em alguns países onde essa parece ser a prática.

Assim, acordei no isolamento, ventilado, com a boca seca, cheio de agrafes no peito, totalmente incapaz de me movimentar na cama, devido a dores, com sondas coladas no peito, vários tubos saíam do meu corpo que conduziam fluidos que asseguravam medicação, ou retiravam plasma, restos de sangue ou urina, e que saíam deste corpo agora inerte. A sensação que tinha era "Safei-me !!!".

As poderosas máquinas que se encontravam por detrás da minha cabeceira, que só vía pelo reflexo no vidro que separava o quarto da antecâmara, produziam os mais diversos sinais sonoros, que me permitia saber que estavam atentos à minha pessoa. O coração, esse novo orgão "usado mas em bom estado", funcionava, sentia a sua cadência certa, e podia ver no monitor a curva do electrocardigrama, normal, com o batimento sinusal correcto, nada comparável com a total anarquia que era antes de transplantado. Por vezes o enfermeiro entrava, equipado a rigor, verificava alguma coisa, limpava a tubagem do ventilador, ou acenava para mim, que não me podia mexer. A alimentação também era especial, meio liquefeita, numa curta fase inicial, e pouco a pouco foi passando ao normal. mas normal para transplantados, com talheres e recipientes descartáveis, sobreaquecido tudo em forno, fornecida numa caixa isotérmica azul, a escaldar, para que toda a possibilidade de infeção fosse eliminada, por acção da temperatura.

Foi aqui que passadas poucas horas, pelo final da manhã me foi retirada a ventilação, e comecei a respirar pelos meus meios, mantendo apenas o fornecimento de oxigénio, através de uma sonda nasal, o que de imediato melhorou a minha qualidade de vida. Foi tudo tão rápido que quase não queria acreditar que na véspera por esta hora estava ainda prostrado naquela longa espera sem novidades. De repente tudo mudou, depressa e bem, por enquanto. O pessoal que acompanhava estava optimista, o Dr RS, entretanto veio, não o via desde o anúncio de ontem, e pelas suas palavras e sorriso percebi que para já tudo estava bem. O essencial estava feito. Veio também o Prof JF, que dirigiu a operação, e que pela segunda vez mexia no meu peito, e tinha sangue meu nas suas mãos. Deu ânimo, e confirmou o veredito, tudo correra como se esperava.

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