segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Enfermaria


enfermaria
s. f.
Nalguns estabelecimentos, local onde se instalam os doentes ou se atendem os feridos ou lesionados.

Após os dez dias de isolamento estava finalmente na "enfermaria". Na realidade não se tratava de uma enfermaria, onde mais tarde haveria de estar, mas por agora tratava-se de um quarto. Acontece que em S. Marta não há quartos particulares, e estes dois quartos disponíveis na enfermaria de cirurgia cardio toráxica, apenas se destinavam a alojar transplantados nesta fase, para que não saiam directamente do isolamento para o meio dos restantes doentes, dado o risco permanente de contaminação.

Foi assim que fiquei alojado num quarto simples, com uma casa de banho privativa, duas mesas, uma cadeira e um cadeirão e um armário de lata para além da cama articulada.  Foi colocada uma televisão. Num primeiro momento a minha sensação era de "peixe fora de água". Tinha liberdade, estava desligado de todas aquelas máquinas, mas por manifesta incapacidade não sabia que fazer com essa liberdade. Mexia-me com dificuldade, e os movimentos mais simples implicavam apoio, mas agora ía ficar sózinho, sem o enfermeiro a olhar por mim 24 sobre 24. Em caso de necessidade teria de chamar alguém.

Naquele quarto a porta estava sempre fechada, das janelas nada se via, pois tinham sido seladas e colada uma película fosca nos vidros. Até o espelho da casa de banho tinha sido retirado. Teriam medo de que os pacientes se suicidassem ?...

Quando a porta se abria, quem entrava tinha de colocar uma máscara, e eu não podia por enquanto sair. Só uma visita de cada vez. A arrumação das minhas coisas foi feita com alguma dificuldade, tudo parecia estranho, sem lugar, eu próprio, tendia para estar na cama, único local óbvio para estar, embora me pudesse levantar. Começa agora a reaprender a movimentar-me por mim, coisa que já há algum tempo não sucedia.

Tinha agora em cima da mesa uma coleção de caixinhas cilindricas com tampa vermelha, onde se encontravam cada um dos inúmeros medicamentos que teria de tomar a partir de agora. Tomar conta dessa medicação, prepará-la, tomá-la a tempo e horas, seria uma das minhas tarefas, a que tinha a partir de agora de me habituar. Aproveitar para actualizar os meus registos, que tinham sido interrompidos durante o período de isolamento. Entretanto começava a ter os primeiros sintomas pós transplante: tinha apanhado um "herpes labial", um virus oportunista que viera comigo do isolamento, começava a ter fortes sinais de edema, com as pernas e pés muito inchados, desde as virilhas até á ponta dos dedos dos pés, o que dificultava pôr os pés no chão e andar, pois estes pesavam "toneladas". Por sugestão do pessoal, passava muito tempo com os pés levantados, e mesmo na cama, dormia com os pés mais altos. Reforçaram as doses de diuréticos, com pouco resultado. Muitos meses depois ainda teria o edema embora fosse regredindo. Os pés elevados, acabei por pagar a factura com a degradação da minha coluna, que me doía muito, e ainda hoje, mais de ano e meio depois continua a perturbar-me.

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