quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Prévio


prévio
(latim praevius, -a, -um, que precede, que guia)
adj.
1. Feito ou dito com antecipação, antes de outra coisa. = ANTERIOR, PRECEDENTEPOSTERIOR, SEGUINTE, ULTERIOR
2. Que deve preceder. = INICIAL, INTRODUTÓRIO, PREAMBULAR, PRELIMINAR, PREPARATIVO, PREPARATÓRIOFINAL
 
Entrei numa fase em que já sabia que não sobreviveria sem o transplante, acho que sempre o soube, mas ainda não sabia se o iria fazer. Teria de fazer um conjunto de exames prévios que detectariam ou não algumas situações incompatíveis com a realização do transplante, ou implicando a necessidade de algumas terapias complementares. Assim, para além da clonoscopia e endoscopia já feitas, muitas análises, hemoculturas, exames urológicos, dentários, TAC, raio X, alguns feitos no Hospital de  S. José, onde me deslocava ( onde me levavam !!!).

Após entrar para os cuidados intermédios, vindo de Beja, onde iria permanecer, deixaram-me na sala maior, onde o movimento era intenso, de dia e de noite, o que me causava grande  incómodo. Manifestamente era um local impróprio para quem iria "viver" ali meses. Assim acabaram por me arranjar um cantinho, discreto junto a uns armários de arrumos, mas onde eu geria melhor o meu espaço, a luz, o ruído. Nesta "sala" havia apenas dois doentes, enquanto na anterior havia oito. Assim estava protegido do exterior, mais afastado da confusão. Devo isso em boa parte à enfermeira Célia, que mal vagou o local, reuniu forças para colocar lá a minha cama.

Às tantas, uma das análises, PSA e PSA livre, ligadas ao controlo da próstata deu valores inadequados, e tiveram de tirar tudo a limpo. Enquanto tal não fosse esclarecido, nada feito, não tinha luz verde, e não entrava na lista de espera para transplante. Para isso tive de fazer uma biópsia próstática, para confirmar ausência de neoplasia, o que felizmente se confirmou. Após tudo concluído, analisado, tratado, foi-me finalmente anunciado que entrara na lista de espera. Tinha-se passado um mês sobre o meu internamento em S.Marta e estávamos a 28 de Outubro. Agora era esperar que o orgão compatível aparecesse, e eu estivesse em condições do receber, o que implicava que outras "intercorrências" não ocorressem. Nesse caso seria de novo retirado da lista até se reunirem de novo condições.

Entretanto o meu "novo" coração ainda batia no peito de alguém, que desconhecia que iria ser "ceifado", e isso era o que me permitiria sobreviver. Irónico, não ?

O outono entrara com muito frio e chuva intensa, e ali estava protegido. Todos os dias me degradava um pouco, todos os dias havia algo que não corria bem, mas sobrevivia contra o tempo, mantinha-me à tona, embora os sinais de monitor fossem cada vez mais confusos, mais desordenados, dando indicação de um coração descompassado, um ritmo incerto e imprevisível, preparado para me fazer passar momentos de grande pânico e muitas vezes o medo instalava-se.

Na cama do lado pessoas entravam e saiam, um desfile de patologias cardíacas, pessoas resignadas, outras indignadas, fumadores, bebedores, gordos e magros, agricultores e juizes, gente cujo ponto comum era terem o coração afectado por algo que as perturbava. Nada feito, dezenas de doentes iam e vinham e eu ficava, ficava sempre à espera de outros dias melhores. Apenas o Dr RS por vezes aparecia para me dizer "Por enquanto nada!!"  Entretanto outros médicos ocupavam-se de mim, analisavam a evolução, colocavam e retiravam cateteres, medicavam nas crises. A palavra certa era esperar, esperar o meu momento.

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